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Um dia em que eu peguei a CPTM

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Para nós, que pegamos mais metrô que gripe, uma metáfora bem irônica que atenua o estresse intrínseco ao transporte no horário de pico é comparar o metrô com um coração de mãe. Um lugar acolhedor. De compreensão, humanidade, ternura...exatamente o que se encontra na linha vermelha, às 18h. Isso é uma experiência que vem de certo tempo. Todavia, mudei minha opinião sobre isso hoje de manhã, quando peguei a CPTM. Em um período de aproximadamente 40 minutos, fiz constatações curiosas e tristes.

Em primeiro lugar, a CPTM possui mais ares de coração de mãe do que o Metrô. É risível a quantidade de pessoas que atrai, além do esforço que o próprio esforço que o trem dispende para que mais pessoas embarquem. As portas dos trens primeiro se elevam em relação a parede do trem, e aí abrem-se para os lados. O contrário acontece no seu fechamento, o que faz com que os passageiros mais próximos a porta sejam levemente compactados. Como se fosse uma mãe movendo mundos e fundos para acomodar seus filhos.

Ainda assim, é uma mãe um tanto quanto dura, diga-se de passagem. Uma lotação de dar inveja a linha vermelha, isso em qualquer linha que passe pelo centro. Além disso, são os trens que percorrem as mais longas distâncias (isso é, levando e trazendo as pessoas através delas). Mesmo em um dia frio paulistano, a aglomeração faz com que o interior do vagão seja bem quente. Apesar de grande parte deles terem ar condicionado, isso não adianta muita coisa. É um cenário que não costuma dar bons resultados – acúmulo de pessoas, praticamente todas em pé, longas distâncias e temperatura elevada.

Eram mais ou menos 15 para as 7, e estava em uma das estações. Ao chegar na plataforma, com a sua típica lotação, presenciei funcionários levando uma cadeira de rodas a uma de suas extremidades. Logo após, uma maca presente na plataforma era carregada por cinco pessoas, que atravessaram brevemente os trilhos para socorrer a pessoa que era nela carregada. Coisas atípicas ocorrem. Uma vez, no metrô, vi um senhor de idade avançada nos trilhos. Aparentemente, teve um mal súbito e caiu na linha, quebrando um braço. Outros conhecidos, porém, já tiveram o desprazer de presenciar suicídios.

Tentava entrar no trem. Não dava. Quem conseguia embarcar eram os poucos que conseguiam ser compactados no trem, preocupados com o vão de quase um palmo presente entre o trem e a plataforma.  Quando um dos trens chegou, uma cadeira de rodas foi levada a extremidade da plataforma. Não é possível – pensei, consternado –, mais uma pessoa? Uma pessoa que nem na plataforma estava, mas sim dentro do trem que chegava?

E era. Uma mulher, que havia passado mal, foi carregada por um outro passageiro até a cadeira de rodas. No limiar entre a consciência e um desmaio, estava sendo atendida, e por isso voltei meus pensamentos a uma auto crítica – vamos, Rafael, você estava em um vagão da linha verde, e certamente chegaria ao seu destino. Porque você seguiu ao que já sabia ser o inferno?

O tempo passava. E nada de conseguir embarcar. Algumas pessoas mais desesperadas passavam na minha frente, e viajariam com um espaço que fariam os espíritos das sardinhas enlatadas julgar que os seus cadáveres repousavam, solenes, em uma espécie de classe executiva com conservantes. Batiam 5 para as 7 no relógio, e um trem chegou. Novamente, olhei para a mulher que estava na cadeira de rodas. Com tanta consciência como eu em algumas aulas teóricas, a mulher da cadeira de rodas ainda continuava desacordada. Brevemente, olhei para a esquerda. Algumas pessoas saíam, apressadas. Uma outra mulher era puxada pelo braço, com respiração ofegante e branca como uma folha sulfite, por outra mulher que aparentava estar melhor.

Olhei para a mulher que estava na cadeira de rodas. Ela começava a recobrar sua consciência. Quando voltei a olhar a minha esquerda, a mulher que era puxada por outra mulher estava no chão. Uma rodinha de passageiros e funcionários se formou ao redor. Um segurança verificou se a mulher estava com pulso, um aparelho de medição de pressão arterial surgiu do nada no braço dela, e outro segurança tentava reanimá-la levantando suas pernas, em uma provável tentativa de fazer com que o sangue “voltasse à sua cabeça”.

Uma funcionária, que havia prestado socorro para a mulher da cadeira de rodas, perguntou se não havia uma maca. A da plataforma já tinha sido usada, e a maca mais próxima estava em algum lugar distante, dentro da estação. Mais tarde, em vista da necessidade, ela solicitou que a mulher que estava na cadeira de rodas sentasse em um banco da plataforma. Com a consciência recobrada, ela atendeu ao pedido, e a cadeira de rodas foi levada a mulher desmaiada. Todavia, uma maca apareceu, e assim como a primeira pessoa socorrida, ela foi posta na maca e removida do local. Nisso, já eram 7h10 e a plataforma estava mais lotada ainda.

“Não vou ficar aqui. Chega.” – pensei. Tentei, posteriormente, pegar a linha vermelha. A diferença é que não vi ninguém desmaiando, e a semelhança foi que não embarquei do mesmo jeito. De resto, peguei o trem de volta, e depois um conveniente ônibus. Um ônibus que frequentemente faço de ônibus leito de baixo custo. O que levar disso? Mais vontade de juntar dinheiro e comprar um carro certamente é uma delas. A outra, que mesmo a mais doce das metáforas tem seus limites.
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